Mais de 70% dos novos contratos assinados nos últimos dois anos estão amarrados a taxas de juro "adaptáveis", ou seja, a dívida dos particulares aos bancos em forma de juros aumenta quase automaticamente se o Banco Central Europeu aumentar as taxas diretoras.
Segundo revela a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), num estudo sobre a situação de Portugal "é altamente provável" que as famílias portuguesas falhem mais nas prestações da casa, com o aumento do crédito malparado e do incumprimento. E, a partir de agora, será numa situação garantida de aumento rápido das taxas de juro em reação à escalada dos preços no consumidor (inflação).
No novo contexto económico referente a mais de três dezenas de países considerados ricos e desenvolvidos, a OCDE refere que há "uma probabilidade elevada e prevalecente" de existir um novo incumprimento quando os países em causa apresentam um maior peso de contratos de crédito imobiliário indexados a taxas de juro variáveis.
Apesar de esta regra da indexação a taxas variáveis não ser a norma ou média no grupo da OCDE, ela impera em certas economias.
Em Portugal, domina. Conforme o novo panorama da organização sediada em Paris, mais de 70% dos novos contratos assinados nos últimos dois anos estão amarrados a taxas de juro "adaptáveis". Ou seja, a dívida dos particulares aos bancos em forma de juros aumenta quase automaticamente se o Banco Central Europeu (BCE) também aumentar as suas taxas diretoras.
É o que já acontece. Em julho, o BCE vai subir, pela primeira vez desde 2016, as taxas de referência e é bem possível que, posteriormente, em setembro, suba o patamar, para deter a inflação. Não se prevê quando pode acabar este ciclo de aperto monetário.
Num contexto mais sombrio, o BCE aponta para que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia se arraste.
Nessa situação "mais desfavorável", as taxas de juro estabelecidas a partir de Frankfurt terão de continuar a aumentar em 2023, embora a economia da zona euro entre claramente em recessão. É um cenário adverso, contudo, o BCE calcula ser plausível: a economia do euro pode quebrar 1,7% em 2023, por exemplo.
Se a guerra não se prolongar, a zona euro ainda pode aumentar 2,8% este ano. No entanto, neste quadro menos pessimista, a inflação prevista por Frankfurt chega na mesma a uns problemáticos 6,8% em 2022.
Neste sentido, o BCE decide agora. Movido por um propósito de ancorar a inflação do euro nos 2%, é necessário aumentar as taxas de juro e acabar com os enormes programas de compras de ativos, onde a dívida pública impera. A partir de julho, começa a nova era, de facto. As taxas iniciam um ciclo de subidas.
Contudo, cerca de 70% dos empréstimos contratados pelas famílias em Portugal, realizados nos últimos anos, com tudo por pagar ainda, são indexados a taxas de juro variáveis, segundo indica a OCDE.
A organização acrescenta que "é maior a probabilidade de incumprimento das hipotecas quando as taxas de juro sobem em vários países do sul da Europa (Portugal e Grécia), do leste (Polónia, Bulgária, Roménia e países bálticos) e do norte europeu (Suécia, Finlândia e Noruega)".
Em 2021, tinha o equivalente a 69% do produto interno bruto (PIB) estacionado em crédito às famílias, um valor acima da média da OCDE (62,6%).
Contudo, o peso dos empréstimos hipotecários indexados a taxas de juro variáveis está muito acima da média. Como referido, estes retratam 70% do total em Portugal.
O país não está sozinho nesta vulnerabilidade. Na zona euro, a Finlândia (também com 69% do PIB em crédito às famílias) regista um nível de indexação a juros variáveis de 96%.
Seja como for, Portugal não é a Finlândia. O potencial de crescimento português é muito inferior, o fardo da dívida pública finlandesa é de 66% do PIB este ano, o de Portugal continua perto de 120%, conforme afirma a Comissão Europeia.
Quando o governo for compelido a descer ainda mais o rácio da dívida e a comprimir o défice público, Portugal terá sempre menos graus de liberdade neste processo. A dívida, mesmo a cair, continua muito elevada, é uma das maiores da Europa, da OCDE, do mundo desenvolvido.
Neste sentido, o processo de ajustamento orçamental implica uma gestão minuciosa do endividamento e custos associados, resultados excecionais no uso dos fundos europeus, do investimento público e privado e na execução orçamental.
A OCDE "espera que a política orçamental traga apoio a 2022", bem como os fundos do quadro Próxima Geração da UE (subsídios e empréstimos), "impulsionando o investimento público".
No entanto, os fundos "evidenciam riscos de atraso". É a OCDE a alinhar com as dúvidas do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.